segunda-feira, 15 de agosto de 2011

A arrogância da velhice ou Ilusão de onisciência

Conforme os anos passam, a minha impressão é que as pessoas vão se acreditando assustadoramente mais próximas da onisciência. Creio que a lógica seja: "já vivi muito, já vi muita coisa, então não há mais nada de novo pra ver".

Quando vc é criança, é natural pensar assim. O mundo é o que vc vê. Cada coisa é uma novidade, algo que vc pensava que não existia. Conforme vc vai crescendo, vai vendo que não é bem assim, que há muita coisa que vc não sabe, que vc nunca viveu.

Na juventude, vc começa a viver as coisas e tirar suas próprias conclusões... Essa é a sua época. Quando as pessoas dizem "ah, eu sou da época em que chovia canivetes", elas querem dizer que, quando elas eram jovens, canivetes caíam das nuvens.

Aí, em algum momento, vc começa a achar que suas conclusões estão irredutivelmente certas. É quando vc fica velho. Começa a definir permanentemente sua posição política, suas opiniões sobre economia, sua religião, alguns preconceitos se tornam verdades absolutas, seus ídolos passam a ser pra sempre os mesmos, vc começa a dizer que não apareceu mais ninguém.

Claro que isso não acontece de uma vez. Acontece com cada assunto separadamente. E creio que algumas dessas "onisciências" sejam saudáveis. Por exemplo, eu defini que vou ser matemático. Vai ser muito difícil mudar minha opinião e eu querer ser outra coisa. Já li muito sobre outras áreas, sobre outros empregos e decidi que vale a pena arriscar: nenhuma profissão será melhor pra mim. Se eu não fizesse isso, ia ficar o tempo inteiro procurando por algo melhor e não ia me focar na profissão que escolhi. Ou isso tudo é uma pseudo-onisciência imbecil minha e eu seria um excelente e satisfeito médico se tentasse. Mas provavelmente não. Acho.

Já há muitos anos penso nesse assunto, mas ele me veio à mente quando li esse texto. No texto em questão, o autor argumenta que a máquina de escrever foi uma revolução maior que o computador para os escritórios (ahn?) e que as pessoas de hoje em dia "catam milho" na hora de digitar porque nunca cursaram datilografia.

É um caso claro de ilusão de onisciência. Também chamado de egocentrismo. Faço a seguinte estimativa: ele deve conviver com dois tipos de pessoas: pessoas da época da datilografia (geração dele ou anterior) e pessoas da época de transição entre datilografia e computador, isto é, quando computador era novidade, máquina de escrever tava virando velharia e não existia internet - ou era algo bem inacessível (geração imediatamente posterior à dele).

Essa geração de transição não precisou esmurrar máquinas de escrever, mas também não usa (muito) msn, gtalk, twitter, facebook, entre outros que sou velho demais pra conhecer. As gerações mais recentes usam esses programas O TEMPO INTEIRO. As pessoas mais novas (que tem acesso a computador - em breve, praticamente todo mundo) marcam compromissos, conversam sobre relacionamento, assistem aulas, trabalham, pesquisam, tudo isso no computador, enquanto deixam sua rede social preferida aberta na outra janela. Digitar não é mais uma necessidade profissional, como datilografar era. Faz parte do dia-a-dia. Eu duvido que eles digitem devagar. A não ser que, de fato, não precisem digitar rápido, porque usam atalhos e coisas do gênero, recursos que não existiam na época das máquinas de escrever.

O autor do texto, como muitas outras pessoas, chegou à velhice retomando a visão infantil: acha que o mundo é só o que ele conhece. Acha que não há mais nada a aprender. Ele está errado.

Por isso, tomem cuidado, leitores. Não sei se isso de fato acontece com todo mundo. Talvez seja até bom que aconteça. Mas tentem adiar, mantenham sua percepção do novo ativa. Ou pelo menos tenham ciência de que isso está acontecendo com vc e não saiam enaltecendo velharias pela net.

Deixei alguns comentários sobre o texto no próprio site, é só procurar lá por "Kronno". Mas, se não tem ctrl+f na sua máquina de escrever... foi mal.

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